Tributo a uma Lady
quinta-feira, 30 de agosto de 2007.Querida Aparecida Resende,
Não é preciso dizer que estou desolada, mais que isto, sinto-me órfã de espírito e de alma. Não há o que dizer… o que lhe direi agora? Gostaria de ter-lhe confidenciado antes, só não o fiz porque não desejei dar-lhe a impressão de que estaria antecipando este momento de perda, que, embora soubéssemos ser inevitável, não o queríamos como realidade.
Você é, ainda hoje, um autêntico paradoxo… vida que se cristaliza em mito, mito que se humaniza em gente … você é matéria bruta que se personaliza em nobreza, altivez, sabedoria, resignação… Você é grão de pó, que se transubstancia em fortaleza incondicional… Feliz daquele que conheceu o ser humano íntegro que existiu dentro de você. Como dizia Olavo Bilac, você soube mostra-se harmoniosa como um templo grego, bela como o edifício recém-construído, sem deixar transparecer o esforço da luta, sem deixar à mostra os andaimes da construção. Permanecia serena, como um Benedito em seu claustro, mesmo que o mundo lá fora lhe oferecesse desencontros, desníveis, desarmonias, desenganos… Assim, você pairava como voz melodiosa, que brota da desafinação, faz dela a forma direita de ver o avesso.
Ao voltar para casa, depois de deixá-la em seu eterno aposento, a sensação de fragilidade e pequenez me invade… sou um nada diante da sua maestria! Mesmo na outra dimensão, você me ensina que ser importante é saber fazer-se pequena. Você foi inigualável, porque, como dizia João Cabral, sabia viver as aparências, ciente da precariedade interior, buscando no cerne, na pedra bruta, a força para resistir… Foi assim na partida de Haidgy… foi assim nas tantas outras perdas que viveu… na luta para restaurar a fé diante de todos os sofrimentos… no embate desleal com a enfermidade que insistia em roubar-lhe a vida!
É impossível pensar em você sem falar em excelência, porque você tornou-se singular, exatamente por prezar o recato, a prudência, a diplomacia… Seus olhos repreendiam e, ao mesmo tempo, confortavam… seu modo de ser imperava na mansidão e tudo se curvava diante da onipotência que advinha do seu pó…
Na sua aparente placidez, você era vulcão que regurgitava sabedoria, para fazer serenar a tempestade da nossa verde ignorância. Você foi, é mestra, mãe que tinha o direito de ser áspera, rígida, autoritária, intolerante, porque fazia tudo isso com classe! Era delicada na indelicadeza… Nas escassas vezes de rompante nervoso, era prudente, surpreendente… A polidez em pessoa!
Você nos ensina, como fez Drummond, que é essencial aprender a outonizar-se com sabedoria… Você outonizava sem que déssemos pelo fato, não esperávamos que, em tirada de mestra, você encantar-se-ia tão instantaneamente, numa manhã de domingo.
Por hoje, falo do ser humano que você foi. Abstenho-me de falar da profissional, da professora-mestra, colega, amiga e confidente, mesmo sem tempo para confidências. A imagem exemplar que você deixa suplanta qualquer apaixonado testemunho!
Permita-me, em sua condescendência, parafraseá-la com as gotas de sabedoria e carinho que me brindara em diversos e diferentes instantes de minha vida. Repasso-as a você, no sentimento mais puro de reverência:
"____ Eu vi você vindo vulto. Hoje, estrela…"
"____ Pingo pequeno. Pinga pingando. Transborda. Realização. Você aconteceu …"
"____ Você amadureceu com sua transcendência de fatos pequenos…"
"Ser ‘ser’ é esplendor. Arma, fonte que vence argila. Você é."
"Atingir a essência é tornar-nos seguros nesta luta tão pesada."
"Um dia eu virei pó. CAMINHO…"
Resta-nos, hoje, o louvor a Deus pela sua existência abençoada entre nós, pelas lições de vida que bebemos da simplicidade que emanava de você. De onde estiver, guie-nos neste barco sem leme e agracie-nos com a centésima partícula de sua FORTALEZA! (Amém).
Tributo a uma Lady
Texto escrito pela professora do UNIFOR-MG Maria de Fátima Lopes Mendonça